Carla e Priscila Fiorito cresceram vendo a mãe, dona Maria, assando fornada atrás de fornada de pão de queijo na pequena loja que mantinha com o marido, no centro de São Paulo. A receita havia sido criada pela matriarca na década de 1980 – e o apego ao quitute virou negócio. A marca Pão de Queijo da Cidade foi criada no início de 2019 e alcançou o breakeven há poucos meses.
Foi justamente dentro da cozinha de um dos restaurantes da família, no bairro da Liberdade, que nasceu o empreendimento comandado pela jornalista e empreendedora Carla Fiorito. “Essa era a dinâmica viável para tirar a ideia do papel e fazer acontecer, uma vez que eu não tinha recurso para montar o negócio do zero, comprar equipamentos e contratar funcionários”, lembra.
Ao longo dos três primeiros anos, Carla investiu em torno de R$ 150 mil, de recursos próprios, para estudo de mercado, construção e registro de marca, abertura de empresa, aquisição de equipamentos e embalagens, montagem de portfólio de produtos, lançamento do site, estrutura de espaço físico e fluxo de caixa.
Com a pandemia, o restaurante que abrigava a produção inicial fechou as portas, e o imóvel onde os negócios da família estavam baseados há 36 anos foi vendido. Surgia, ali, a necessidade da primeira das três mudanças de endereço da empresa, hoje instalada na Vila Mariana.
Desde o início, Carla é a sócia majoritária, com 99% do negócio, e sua mãe detém o 1% restante. Sua irmã passou a trabalhar de forma integral na empresa há dois anos. A equipe é superenxuta: Carla atua na estratégia comercial e liderança, Priscila trabalha como gerente-geral, coordenando a produção e o atendimento, e uma funcionária atua como ajudante geral. Há pouco tempo, um time de representantes comerciais passou a representar a marca.
Delícias de família
As duas receitas que servem como base para os produtos têm origem entre as mulheres Fiorito. O pão de queijo tradicional foi adaptado a partir da receita original de dona Maria, com a alteração de apenas dois ingredientes: manteiga em vez de margarina e polvilho de fermentação natural, vindo diretamente da Serra da Mantiqueira, substituindo o polvilho industrial.
“Minha mãe é uma paraibana arretada. Saiu da roça ainda pequena e venceu na cidade grande justamente com o pão de queijo artesanal criado por ela como forma de aproveitar as aparas de queijo que produzia, evitando o desperdício”, comenta a idealizadora.
A receita vegana – batizada de Pão de Beijo da Cidade – foi desenvolvida por Priscila, após quase três anos de testes. Entrou para o cardápio em 2021. “Queríamos um produto sem ingredientes de origem animal, mas que fosse tão gostoso quanto a receita original da minha mãe e atendesse à demanda de um mercado crescente”, conta Carla.
O projeto deu certo: segundo ela, a versão vegana é o maior diferencial do empreendimento. Feito com ingredientes in natura, combina batata-doce, mandioquinha, farinha de amêndoas, castanha de caju e gergelim branco. “Conseguimos algo muito difícil nos itens veganos: sabor excepcional e textura de pão de queijo de verdade, sem recorrer a nenhum ingrediente de origem animal, como queijo, leite, ovo ou manteiga”, comemora Carla.
A empreendedora conta que, quando foi selecionada para participar de um programa de aceleração desenvolvido pela B2Mamy (empresa que foca em empreendedorismo feminino e materno), em parceria com a Continental e o Google for Startups, no ano passado, teve certeza que o produto vegano deveria ser o carro-chefe da empreitada.
“Durante a preparação para a apresentação do meu pitch, no fim do programa, descobri que mais de 80% dos brasileiros têm algum nível de intolerância ao leite de origem animal e que 30 milhões de brasileiros se declaram veganos. Isso sem falar nos incontáveis flexitarianos”, pontua. Para ela, esse é um mercado que só cresce e tem muito a ser explorado. “Sinto que o Pão de Beijo da Cidade está surfando em ‘oceano verde’”, diz.
Os itens veganos estão crescendo mês a mês e representam pouco mais de 40% das vendas da marca, que tem produção totalmente artesanal. Para se ter uma ideia, em agosto, foram produzidos 850kg de pães. Desses, 360kg foram sem ingredientes de origem animal.
Os pães são oferecidos em quatro sabores: tradicional, empanado no parmesão, multigrãos (com sementes de chia e linhaça dourada e marrom) e vegano. São comercializados congelados, em packs de 400g, para o consumidor final e pontos de venda, com preços a partir de R$ 34. Cafeterias, restaurantes e outros locais que revendem os pães assados para consumo local podem encomendar pacotes de 1kg.
Outro destaque da linha é o formato waffle, disponível em todos os sabores. Pré-assado, é a opção mais prática da linha, por ficar pronto em menos tempo – bastam três minutos no forno a gás, elétrico, frigideira ou air fryer. “Este formato tem conquistado cada vez mais clientes, tanto consumidores finais quanto estabelecimentos comerciais”, revela Carla.
No total, são cinco diferentes tamanhos. O “pipoca” é indicado para crianças e para quem gosta de comer um atrás do outro, graças ao formato reduzido – pesa apenas 5g cada. A versão é encontrada apenas no sabor tradicional. Os demais são disponibilizados em formato coquetel (15g cada), lanche (50g) e waffle (50g). Para o food service, ainda há opção de pães com 70g.
Hoje, em torno de 60% do negócio é sustentado pelas vendas B2B. Os produtos estão em cafeterias, empórios e casas prestigiadas, tal qual a Padoca do Maní, da chef Helena Rizzo. Também podem ser consumidos em restaurantes consagrados, como o Carlota, da chef Carla Pernambuco, que criou uma entrada com os pãezinhos das Fiorito.
“Também estamos abrindo frente no varejo, já tendo conquistado as prateleiras de estabelecimentos como a tradicional Casa Santa Luzia, o moderno Instituto Chão, o Sacolão da Lapa, o Empório Frutaria, a foodtech Raízs, entre outros. Já são mais de 40 empresas atendidas”, comemora Carla.
Vendas via site e WhatsApp correspondem aos outros 40% da receita. O empreendimento também aposta no modelo de assinatura, mas que ainda está ganhando tração, com perspectiva de decolar muito em breve. Atualmente, há uma base de mais de 1.200 clientes, sendo a maioria mulheres da classe A/B, com mais de 35 anos.
O Pão de Queijo da Cidade fechou 2022 batendo a casa dos R$ 270 mil de faturamento. De janeiro para setembro, já chegou a R$ 331 mil. A empresa atingiu o breakeven neste ano e quer crescer 50% em faturamento nos próximos seis meses.
Os planos imediatos incluem trazer mais alguém para a sociedade – uma mulher que tope encarar o desafio de uma empresa criada e gerida somente pela ala feminina. A idealizadora da marca enxerga o Pão de Queijo e o Pão de Beijo da Cidade como filhos, criados desde o nascimento até a adolescência.
“A fase mais difícil já passou, mas, para chegarmos à idade adulta e atingirmos a maioridade de forma sustentável e com sabedoria, precisamos de uma sócia para oxigenar o negócio, trazer novas ideias e estratégias, além de ter disponibilidade para trabalhar no dia a dia da empresa, o que é fundamental no momento”, acredita.
Paralelamente, o foco é abrir novos pontos de venda na capital paulista para fortalecer a marca, bem como consolidar a presença digital, principalmente com a versão vegana. Isso porque São Paulo é uma cidade que ainda oferece espaço para crescimento, antes de outras regiões serem exploradas.
“Temos muito orgulho por sermos uma empresa criada e gerida por mulheres em um país em que tudo é muito difícil para o pequeno empreendedor. Digo sempre que, quando um cliente escolhe nossa marca, está apoiando, fortalecendo o empreendedorismo feminino”, defende a empreendedora.
Fonte: PEGN